domingo, 30 de janeiro de 2011

Deficientes visuais aprendem a avaliar um bom Café


Professor diz que basta ter um bom olfato e um bom paladar para ser um excelente degustador.


      Um dia fora do comum para seis pessoas, que foram selecionadas para um curso de degustação de café. Mas os aprendizes têm algo especial: são todos cegos e fazem parte de uma experiência inédita no Brasil. Entre três amostras de pó de café, duas são iguais. Eles precisam identificar a terceira só pelo aroma.

      Degustadores e classificadores de café são técnicos que trabalham avaliando a qualidade, orientam o comércio e a indústria, ajudam a criar os chamados "blends".

      "Blends quer dizer mistura. O industrial pega uma parte do café conillon e mistura com o arábica para fazer seu padrão de qualidade", explica o professor de degustação Alaerte Barbosa.

      Conillon é parte de uma família de cafés. Arábica é outra família, reconhecidamente, a melhor. E claro que gostar de café torna o trabalho mais agradável.

      "Eu sou viciada", conta a assistente social Martha Rosa.

      "Café não pode faltar", diz o doceiro Caitano Paiva.

      "Eu devo tomar uns dois litros de café por dia", revela o aposentado Alexandre Barel.

      Alaerte Barbosa e Sérgio Beyer são classificadores e degustadores profissionais. Alaerte está neste mundo há mais de 40 anos e sempre achou que os cegos podiam fazer parte dele.

      "Não é preciso ter nível universitário. Mas quem tiver um bom olfato e um bom paladar, com certeza, será um excelente degustador", diz Alaerte.

      Será mesmo verdade que uma pessoa que perde – ou nunca teve – um dos cinco sentidos acaba aprimorando os outros quatro? Um cego, por exemplo, pode ouvir mais, sentir melhor aromas e sabores, aperfeiçoa o tato? Uma oficina de cerâmica onde as pessoas que dão forma ao barro não podem ver o resultado final do trabalho nos leva a crer que sim.

      Os aposentados Alexandre Barel e Eli da Silva Filho já têm bastante pratica. A atividade é só uma das oferecidas pelo Instituto Benjamin Constant, no Rio de Janeiro, que tem mais de 150 anos dedicados à educação e reabilitação de cegos.

      Os aprendizes de desgustadores foram recrutados entre aqueles que perderam a visão.

      "Eu fechei os olhos por alguns dias. Quando abri, minha mãe disse que o globo ocular tinha sumido", lembra Caitano.

      Cada um com a sua história. "Agora só enxergo bem pouquinho. E só vulto", conta a camelô Gislene dos Santos.

      "Eu perdi a visão completamente aos 47 anos", diz Eli.

      "Eu comecei a ver só parte dos vultos e da claridade", diz Martha.

      "Em menos de 15 dias, eu perdi minha visão totalmente. Ela se apagou", conta o operador de raios x Fernando Silvestre.

      "É horrível, a pior coisa do mundo. Mas para tudo existe uma solução. Por que eu vou ser um covarde? Eu vou à luta!", diz Alexandre.

      Ir à luta, reaprender a viver.

      "O cego desenvolve essas competências intencionalmente, por necessidade e por vontade própria. Não é automático", explica a psicóloga Carla Verônica Marques, do Instituto Benajmin Constant.

      Mas o aprendizado entre copos e xícaras é longo. E todo cuidado é pouco.

      "O olfato e o paladar têm uma ligação direta com o cérebro. Qualquer desatenção vai prejudicá-los para determinar o sabor da bebida", lembra Alaerte.

      Se eles não podem ver as luzes, as cores e o brilho, os gestos suaves e a delicadeza do toque revelam a sensibilidade aguçada. São novas habilidades se desenvolvendo, fluindo, abrindo portas no meio da escuridão.

      "É importante ter uma profissão, porque assim vamos ter oportunidade de trabalho. Nós realmente precisamos trabalhar", diz Caitano.

      "Eu costumo dizer que nós perdemos a visão, mas não perdemos a capacidade", conta Eli.

      "E, assim como qualquer pessoa, nós temos capacidade de trabalhar usando nossos outros sentidos, nossa percepção. Isso é fundamental", finaliza Martha.



ALBERTO GASPAR
Rio de Janeiro

    
    


          No blog Café do Moço, foi citado um curso realizado no Instituto Benjamim Constant no Rio de Janeiro, também para deficientes visuais.

Nenhum comentário:

Postar um comentário